Raul Seixas

 

Capim Guiné


Comprei um sítio no sertão de Piritiba
Dois de pé de guataíba, cajú, manga e cajá ...
Peguei na enxada como pega um catingueiro
Fiz aceiro botei fogo, "Vá ver como é que tá"

Tem abacate, genipapo, bananeira
milho verde, macacheira, como diz no Ceará
cebola, coentro, andú, feijão de corda
vinte porco na engorda, inté gado no currá !

Com muita raça fiz tudo aqui sozinho
Nem um pé de passarinho veio a terra semeá
Agora veja, cumpadi a safadeza
Começou a marvadeza, todo bicho vem prá cá

"Num" planto capim-guiné
prá boi abaná rabo
Tô virado do Diabo, tô retado cum você
Tá vendo tudo e fica aí parado
com cara de viado que viu caxinguelê

Sussuarana só fez perversidade
Pardal foi prá cidade
Piruá minha saqué
Dona raposa só vive na mardade
Me faça a caridade, se vire dê no pé !

Saguim trepado no pé da goiabeira
Sariguê na macacheira, tem inté tamanduá
Minhas galinhas já não ficam mais paradas
e o galo de madrugada tem medo de cantar

Num planto capim-guiné ...
pra boi abaná rabo
Tô virado do Diabo, tô retado cum você
Tá vendo tudo e fica aí parado
com cara de veado que viu caxinguelê



Cowboy fora da lei


Mamãe, não quero ser prefeito
Pode ser que eu seja eleito
E alguém pode querer me assassinar
Eu não preciso ler jornais
Mentir sozinho eu sou capaz
Não quero ir de encontro ao azar

Papai não quero provar nada
Eu já servi à Pátria amada
E todo mundo cobra minha luz

Oh, coitado, foi tão cedo
Deus me livre, eu tenho medo
Morrer dependurado numa cruz

Eu não sou besta pra tirar onda de herói
Sou vacinado, eu sou cowboy
Cowboy fora da lei
Durango Kid só existe no gibi
E quem quiser que fique aqui
Entrar pra história é com vocês



Eu Nasci Há Dez Mil Anos Atrás


Um dia, numa rua da cidade, eu vi um velhinho sentado na calçada
Com uma cuia de esmola e uma viola na mão
O povo parou pra ouvir, ele agradeceu as moedas
E cantou essa música, que contava uma história
Que era mais ou menos assim:

Eu nasci há dez mil anos atrás
e não tem nada nesse mundo que eu não saiba demais (2x)

Eu vi Cristo ser crucificado
O amor nascer e ser assassinado
Eu vi as bruxas pegando fogo pra pagarem seus pecados,
Eu vi,
Eu vi Moisés cruzar o mar vermelho
Vi Maomé cair na terra de joelhos
Eu vi Pedro negar Cristo por três vezes diante do espelho
Eu vi,

Eu nasci
(eu nasci)
Há dez mil anos atrás
(eu nasci há dez mil anos)
E não tem nada nesse mundo que eu não saiba demais

Eu vi as velas se acenderem para o Papa
Vi Babilônia ser riscada do mapa
Vi conde Drácula sugando o sangue novo
e se escondendo atrás da capa
Eu vi,
Eu vi a arca de Noé cruzar os mares
Vi Salomão cantar seus salmos pelos ares
Eu vi Zumbi fugir com os negros pra floresta
pro quilombo dos palmares
Eu vi,

Eu nasci
(eu nasci)
Há dez mil anos atrás
(eu nasci há dez mil anos)
E não tem nada nesse mundo que eu não saiba demais

Eu vi o sangue que corria da montanha
quando Hitler chamou toda a Alemanha
Vi o soldado que sonhava com a amada numa cama de campanha
Eu li,
Eu li os simbolos sagrados de Umbanda
Eu fui criança pra poder dançar ciranda
E, quando todos praguejavam contra o frio,
eu fiz a cama na varanda

Eu nasci
(eu nasci)
Há dez mil anos atrás
(eu nasci há dez mil anos atrás)
E não tem nada nesse mundo que eu não saiba demais

Não, não porque
Eu nasci
(eu nasci)
Há dez mil anos atrás
(eu nasci há dez mil anos atrás)
E não tem nada nesse mundo que eu não saiba demais
Não, não

Eu tava junto com os macacos na caverna
Eu bebi vinho com as mulheres na taberna
E quando a pedra despencou da ribanceira
Eu também quebrei a perna
Eu também,
Eu fui testemunha do amor de Rapunzel
Eu vi a estrela de Davi brilhar no céu
E praquele que provar que eu tou mentindo
eu tiro o meu chapéu

Eu nasci
(eu nasci)
Há dez mil anos atrás
(eu nasci há dez mil anos atrás)
E não tem nada nesse mundo que eu não saiba demais


Gita


"Eu que já andei pelos quatro cantos do mundo procurando,
foi justamente num sonho que ele me falou"

Às vezes você me pergunta
Por que é que eu sou tão calado
Não falo de amor quase nada
Nem fico sorrindo ao teu lado

Você pensa em mim toda hora
Me come, me cospe, me deixa
Talvez você não entenda
Mas hoje eu vou lhe mostrar

Eu sou a luz das estrelas
Eu sou a cor do luar
Eu sou as coisas da vida
Eu sou o medo de amar

Eu sou o medo do fraco
A força da imaginação
O blefe do jogador
Eu sou, eu fui, eu vou

Gita gita gita gita gita

Eu sou o seu sacrifício
A placa de contra-mão
O sangue no olhar do vampiro
E as juras de maldição

Eu sou a vela que acende
Eu sou a luz que se apaga
Eu sou a beira do abismo
Eu sou o tudo e o nada

Por que você me pergunta
Perguntas não vão lhe mostrar
Que eu sou feito da terra
Do fogo, da água e do ar

Você me tem todo dia
Mas não sabe se é bom ou ruim
Mas saiba que eu estou em você
Mas você não está em mim

Das telhas eu sou o telhado
A pesca do pescador
A letra A tem meu nome
Dos sonhos eu sou o amor

Eu sou a dona de casa
Nos pegue-pagues do mundo
Eu sou a mão do carrasco
Sou raso, largo, profundo

Gita gita gita gita gita

Eu sou a mosca da sopa
E o dente do tubarão
Eu sou os olhos do cego
E a cegueira da visão

Mas eu sou o amargo da língua
A mãe, o pai e o avô
O filho que ainda não veio
O início, o fim e o meio
Eu sou o início, o fim e o meio



Maluco Beleza


Enquanto você se esforça prá ser
um sujeito normal
e fazer tudo igual

Eu do meu lado, aprendendo a ser louco
Um maluco total
na loucura real

Controlando a minha maluquez
misturada com minha lucidez

Vou ficar
ficar com certeza
maluco beleza


Este caminho que eu mesmo escolhi
É tão fácil seguir
por não ter onde ir

Controlando a minha maluquez
misturada com minha lucidez

Vou ficar
ficar com certeza
maluco beleza
Eu vou ficar.....



Medo da Chuva


É pena
Que você pense que eu sou seu escravo
Dizendo que eu sou seu marido
E não posso partir
Como as pedras imóveis na praia
Eu fico ao teu lado sem saber
Dos amores que a vida me trouxe
E não pude viver

Eu perdi o meu medo
Meu medo, meu medo da chuva
Pois a chuva voltando pra terra
Traz coisas do ar
Aprendi o segredo
O segredo, o segredo da vida
Vendo as pedras que choram
sozinhas no mesmo lugar

EU não posso entender
Tanta gente aceitando a mentira
De que os sonhos desfazem
Aquilo que o padre falou
Porque quando eu jurei
Meu amor eu traí a mim mesmo
Hoje eu sei
Que ninguém nesse mundo
É feliz tendo amado uma vez
Uma vez


Eu perdi o meu medo
Meu medo, meu medo da chuva
Pois a chuva voltando pra terra
Traz coisas do ar
Aprendi o segredo
O segredo, o segredo da vida
Vendo as pedras que choram
sozinhas no mesmo lugar
Vendo as pedras que choram
Sozinhas no mesmo lugar
Vendo as pedras que sonham
Sozinhas no mesmo lugar



Meu Amigo Pedro


Muitas vezes Pedro você fala
Sempre a se queixar da solidão
quem te fez com ferro fez com fogo, Pedro
É pena que você não sabe não

Vai pro seu trabalho todo dia
Sem saber se é bom ou se é ruim
quando quer chorar vai ao banheiro
Pedro, as coisas não são bem assim

Toda vez que eu sinto o paraíso
Ou me queimo torto no inferno
Eu penso em você meu pobre amigo
Que só usa sempre o mesmo terno

Pedro onde você vai eu também vou
Pedro onde você vai eu também vou
Mas tudo acaba onde começou
Tente me ensinar das tuas coisas
Que a vida é séria e a guerra é dura
Mas, se não puder cale essa boca, Pedro
E deixa eu viver minha loucura

Lembro Pedro aqueles velhos dias
Quando os dois pensavam sobre o mundo
Hoje eu te chamo de careta
E você me chama vagabundo
Pedro onde você vai eu também vou
Pedro onde você vai eu também vou
Mas, tudo acaba onde co..me..çou

Todos os caminhos são iguais
O que leva à glória ou a
perdição

Há tantos caminhos, tantas portas
Mas, somente um tem coração
E eu não tenho nada a te dizer
Mas, não me critique como eu sou
Cada um de nós é um universo, Pedro
Onde você vai eu também vou
Pedro onde você vai eu também vou
Pedro onde você vai eu também vou
Mas tudo acaba onde co..me..çou


Não Quero Mais Andar Na Contra-mão


Hoje uma amiga da Colômbia voltou
Riu de mim porque eu não entendi
Do que ela sacou aquele fumo rolou
Dizendo que tão bom eu nunca vi

Eu disse não não não não
Eu já parei de fumar
Cansei de acordar pelo chão
Muito obrigado eu já estou calejado
Não quero mais andar na contra-mão

Da Bolívia uma outra amiga chegou
Riu de mim porque eu não entendi
Quis me empurrar um saco daquele pó
Dizendo que tão puro eu nunca vi...

Eu disse não não não não
Eu já parei de 'hunfz
Cansei de acordar pelo chão
Muito obrigado eu já estou calejado
Não quero mais andar na contra-mão

Titia que morava na Argentina voltou
Riu de mim porque eu não entendi
Me trouxe uma caixa de perfume ê ê
Daquele que não tem mais por aqui

Eu disse não não não não
Não brinco mais carnaval
Cansei de desmaiar no salão
Muito obrigado eu já andei perfumado
Não quero mais andar na contra-mão




O Carimbador Maluco


Cinco, quatro, três, dois...
Parem, esperem aí. (texto)
Onde é que vocês pensam que vão?
han han

Pluct, Plact, Zummm
Não vai a lugar nenhum
Pluct, Plact, Zummm
Não vai a lugar nenhum

Tem que ser selado, registrado, carimbado
Avaliado e rotulado se quiser voar!!
Se quiser voar
Pra lua, a taxa é alta
Pro sol, identidade,
Vai já pro seu foguete viajar pelo universo
é preciso o meu carimbo dando, sim sim sim sim

O seu...
Pluct, Plact, Zummm
Não vai a lugar nenhum
Pluct, Plact, Zummm
Não vai a lugar nenhum

Tem que ser selado, registrado, carimbado
Avaliado e rotulado se quiser voar!!
Se quiser voar
Pra lua, a taxa é alta
Pro sol, identidade,
Vai já pro seu foguete viajar pelo universo
é preciso o meu carimbo dando, sim sim sim sim

O seu...
Pluct, Plact, Zummm
Não vai a lugar nenhum
Pluct, Plact, Zummm
Não vai a lugar nenhum

Mas ora, vejam só, já estou gostando de vocês
Aventura como esta eu nunca experiemntei
O que eu queria mesmo era ir com vocês
Mas já que eu não posso, boa viagem!
E até outra vez!

Agora...
O Plunct, Plact, Zummm
Pode partir sem problema algum
O Plunct, Plact, Zummm
Pode partir sem problema algum

Boa viagem

O Plunct, Plact, Zummm
Pode partir sem problema algum
O Plunct, Plact, Zummm
Pode partir sem problema algum

Boa viagem meninos
Boa viagem


O Trem das Sete



Ói, oia o trem, vem surgindo de trás das montanhas
Azuis, olha o trem
Ói, oia o trem, vem trazendo de longe as cinzas do
Velho Aeon

Ói, já é vem, fumegando, apitando, chamando os que
Sabem do trem
Ói, é o trem, não precisa passagem nem mesmo bagagem no
Trem

Quem vai chorar, quem vai sorrir?
Quem vai ficar, quem vai partir?

Pois o trem está chegando, tá chegando na estação

É o trem das sete horas, é o último do sertão
Do sertão

Ói, olha o céu, já não é o mesmo céu que você conheceu,
Não é mais
Vê, ói que céu, é um céu carregado e rajado
Suspenso no ar

Vê, é o sinal, é o sinal das trombetas, dos anjos e
Dos guardiões
Ói, lá vem Deus, deslizando no céu entre brumas de mil
Megatons

Ói, olha o mal, vem de braços e abraços com o bem num
Romance astral...
Amen!



Tente Outra Vez


Veja
Não diga que a canção está perdida
Tenha fé em Deus, tenha fé na vida
Tente outra vez

Beba
Pois a água viva ainda está na fonte
Você tem dois pés para cruzar a ponte
Nada acabou, não não não não

Tente
Levante sua mão sedenta e recomece a andar
Não pense que a cabeça agüenta se você parar,
não não não não
Há uma voz que canta,
uma voz que dança,
uma voz que gira
Bailando no ar

Queira
Basta ser sincero e desejar profundo
Você será capaz de sacudir o mundo, vai
Tente outra vez

Tente
E não diga que a vitória está perdida
Se é de batalhas que se vive a vida
Tente outra vez



Metamorfose Ambulante

Eu prefiro ser
Essa metamorfose ambulante
Eu prefiro ser
Essa metamorfose ambulante
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo

Eu quero dizer
Agora o oposto do que eu disse antes
Eu prefiro ser
Essa metamorfose ambulante
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo
Sobre o que é o amor
Sobre o que eu nem sei quem sou
Se hoje eu sou estrela
Amanhã já se apagou
Se hoje eu te odeio
Amanhã lhe tenho amor
Lhe tenho amor
Lhe tenho horror
Lhe faço amor
Eu sou um ator
É chato chegar
A um objetivo num instante
Eu quero viver
Nessa metamorfose ambulante
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo
Sobre o que é o amor
Sobre o que eu nem sei quem sou
Se hoje eu sou estrela
Amanhã já se apagou
Se hoje eu te odeio
Amanhã lhe tenho amor
Lhe tenho amor
Lhe tenho horror
Lhe faço amor
Eu sou um ator
Eu vou desdizer
Aquilo tudo que eu lhe disse antes
Eu prefiro ser
Essa metamorfose ambulante
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo
Do que ter aquela velha velha velha velha velha
Opinião formada sobre tudo
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo



Ouro de Tolo

Eu devia estar contente
Porque eu tenho um emprego
Sou um dito cidadão respeitável
E ganho quatro mil cruzeiros por mês

Eu devia agradecer ao Senhor
Por ter tido sucesso na vida como artista
Eu devia estar feliz
Porque consegui comprar um Corcel 73

Eu devia estar alegre e satisfeito
Por morar em Ipanema
Depois de ter passado fome por dois anos
Aqui na Cidade Maravilhosa

Ah! Eu devia estar sorrindo e orgulhoso
Por ter finalmente vencido na vida
Mas eu acho isso uma grande piada
E um tanto quanto perigosa

Eu devia estar contente
Por ter conseguido tudo o que eu quis
Mas confesso abestalhado
Que eu estou decepcionado

Porque foi tão fácil conseguir
E agora eu me pergunto: E daí?
Eu tenho uma porção de coisas grandes
Pra conquistar, e eu não posso ficar aí parado

Eu devia estar feliz pelo Senhor
Ter me concedido o domingo
Pra ir com a família ao Jardim Zoológico
Dar pipoca aos macacos

Ah! Mas que sujeito chato sou eu
Que não acha nada engraçado
Macaco praia, carro, jornal, tobogã
Eu acho tudo isso um saco

É você olhar no espelho
Se sentir um grandessíssimo idiota
Saber que é humano, ridículo, limitado
Que só usa dez por cento de sua
Cabeça animal
E você ainda acredita que é um doutor, padre ou policial
Que está contribuindo com sua parte
Para nosso belo quadro social

Eu que não me sento
No trono de um apartamento
Com a boca escancarada cheia de dentes
Esperando a morte chegar

Porque longe das cercas embandeiradas que separam quintais
No cume calmo do meu olho que vê
Assenta a sombra sonora de um disco voador

Eu que não me sento
No trono de um apartamento
Com a boca escancarada cheia de dentes
Esperando a morte chegar

Porque longe das cercas embandeiradas que separam quintais
No cume calmo do meu olho que vê
Assenta a sombra sonora de um disco voador